domingo, 23 de dezembro de 2012

CRÓNICA DEZEMBRO / FONTE NOVA / O PRESÉPIO DE SEMPRE / ARAGONEZ MARQUES

                       



O PRESÉPIO DE SEMPRE

Sempre tive uma santa simpatia por Sua Santidade.


Acho-o simpático, pequenino com as orelhinhas bem postas, aquele risco de pente ao lado, ar de betinho, rosto de menino feliz que aguentou uma manhã inteira com vontade de fazer xi-xi e o conseguiu, sem molestar o professor, sorriso de felicidade e paz interior e sem esquecer aqueles sapatinhos que se adivinham, de marca, espreitando as saias brancas de Omo, pequeninos e vermelhos.


Nada tenho também contra o dezasseis, um bom número, que não aquece nem arrefece, onde ninguém da família faz anos e que, como terminação me fez ganhar há muitos anos, o sexto prémio do concurso “Tapa-Chuva”, com direito a ouvir o nome  na televisão, ainda a preto e branco, um conjunto de gabardina que se enfiava dentro da gorra e último grito, da primeira loja de pronto a vestir unisex, ao cimo da Rua Direita. O prémio foi um fato, calças, casaco e colete, feito pelo Traguil, a quem pagaram dois mil escudos. O fato, embora em meu nome, foi para o meu pai, sempre levava mais fazenda e se ele pagou o “Tapa-Chuva”, estava no seu direito, até porque bem necessitado andava, de dar descanso ao cinzento de risquinhas brancas, e apresentar nova fatiota na missa do meio dia em São Lourenço.


Mas íamos no dezasseis de Sua Santidade, o número que me não caía raro, já o nome Bento, não o vejo muito ajustado à sua aparência, pois lembro-me sempre do Bento do Benfica, muitas vezes chamado São Bento, mas por outros motivos.

Prefiro o Benedito, como lhe chamam os Espanhóis .

É um nome mais de acordo com a sua figura de menino com coisas para dizer no recreio.
Concordo com ele em tudo e vou continuar a concordar, enquanto interferir nesta calma silenciosa, sem mexer.
Tal como há governos de transição, também há Papas de transição.
O seu desmentido sobre o fim do mundo em Dezembro, foi um acto de tranquilidade ouvido por poucos, tal a importância do assunto.

Tem também a minha total aprovação no que diz respeito ao presépio,  afinal como pode o rei dos reis, ser aquecido pelo mau-hálito de uma vaca, ainda por cima, deitada?

Nunca é tarde para tornar os locais dignificantes conforme a importância de cada um.

Era já tempo de alguém se debruçar sobre um tema de tanta prioridade e preocupação. 

Benedito XVI fê-lo, e por isso me resulta simpático, um querido mesmo. Um homem que sabe olhar de frente os problemas do nosso mundo e que os enfrenta com coragem, alguém que finalmente soube olhar para o presépio, dando-lhe ordem no mais importante que o mesmo representa, e no que representa o nascimento de quem veio trazer um novo mandamento ao mundo.


Um livro que editei na década passada, “Três Contos Trípteros”, ainda com alguns exemplares, julgo eu, perdidos nas livrarias, já tentava dar um toque de imaginação ao problema pois, defendia eu então, e assim continuo a pensar, que Jesus teve uma infância de classe média e isso de ter nascido pobre, um consolo para todos os que assim nasceram de verdade.

Ser filho de um carpinteiro, era um privilégio, quando eram de madeira desde os utensílios domésticos até aos meios de transporte.

Sabemos que foi de turismo religioso a Jerusalém, pelo menos duas vezes, passeou com a família pelo Egipto e se nasceu num palheiro, foi porque estavam esgotadas as camas das hospedarias... bateu a várias portas e estavam com o cartaz de completo.


Mas essa teoria está no livro que vos digo e que só não recomendo porque pode estar esgotado.


Quero apenas referir, que sempre que pensamos, temos o direito de imaginar e se imaginamos diferente, é porque fomos capazes de pensar diferente também.

Foi o que fez Benedito e zás, aqui vai a minha história e, tem lógica a sua história e o livro de Benedito, por exemplo no caso do burro, embora fosse o que transportava Maria, também não pode estar metido aí dentro, num mesmo espaço, numa falta de higiene abusiva, isto para não falar de outros problemas de visualidade excessiva e pouco apropriada à presença de senhoras e sobretudo de crianças curiosas.

Contentes ficaram os habitantes deste lado do rio, para quem a Espanha existe desde os primórdios do tempo, bandeiras tricolores em qualquer cantinho da Península Ibérica, bandoleiros, toureiros, guardas civis de tricórnio, todos a falar espanhol da Real Academia com o Instituto Cervantes vigilante e obviamente, com sevilhanas tocando castanholas desde o paleolítico.
Ficaram felizes, quando Sua Santidade apostou na possibilidade de os Reis Magos serem Andaluzes e sendo Andaluzes, passaram de imediato a espanhóis também, que isso de mouros foi há uma catrefada de anos, tantos que já ninguém se lembra e ai de quem se lembre.

Houve assim alterações nos presépios das duas margens, sendo no entanto maiores na margem oriental do Guadiana.
Os touros negros com farpas amarelas e vermelhas e as sevilhanas de boa perna, vestidos às bolas, flor e “peineta” no cabelo e castanholas no ar, que repousavam sobre os frigoríficos desde que os plasmas com dtd substituíram as televisões de sempre, saltaram do frigorífico para o presépio.
A sevilhana, na comitiva dos amigos magos andaluzes e o touro, ao pé da vaca deitada em frente à árvore que tem sempre que haver em qualquer presépio espanhol, a que chamam Belém, mesmo que lhe metam a Torre Espanta Perros ou as Portas de Palma de Badajoz, que esconda o “caganer” catalão exportado pelo Natal, a que chamam Navidad, a toda a geografia ibérica. Aquela figurinha de rabo de fora e sentado, fazendo o que tem que fazer a diário qualquer mortal, e porque o “caganer” passou a ser obrigatório e os rabos públicos, há para todos os gostos, ideologias ou clubes, gordos, magros, das figuras políticas ao futebol, desde Rajoys a Messis de rabo ao léu.

No da minha casa, ou não viva eu neste  limbo ibérico que é a raia, tenho um Zé Povinho, que para além de agachado, calças pelos joelhos e mais não digo por pudor e mau cheiro, faz um manguito à Bordalo.

Nestas misturas de touros com farpas, caganeres, sevilhanas e reis magos, com alturas variadas, as proporções não constituem qualquer problema, habituados como estão às grandes dimensões dos osbornes hasteados, plantados nas estradas do sul.

Já os presépios da margem ocidental do rio são diferentes.

Obedecem ao mesmo plano arquitectónico, de quando a arquitectura repetitiva estava dividida em Planos,coisas do estado novo, em que havia o Plano dos Centenários para as escolas, o Plano dos Cantoneiros para os quartéis, erguidos nas estradas principais para os trolhas fardados e com divisas, que usavam a pá e a picareta como arma e chamo-lhe eu, o Plano Piramidal para tudo o que fossem altares domésticos, dos santos populares aos presépios caseiros.
Tratava-se de colocar caixas sobrepostas em pirâmide, cobertas com musgo e com a figura de referência no vértice superior. No caso dos presépios, as figuras eram colocadas numa linha vertical onde tinha no cimo uma estrela, por baixo um anjo, abaixo do anjo um galo, por baixo do galo O Menino nas palhinhas e aqui, começava a distribuição simétrica, a Virgem e a vaca de um lado e o São José e o burro do outro.
A partir deste degrau, era uma explosão de figurinhas que escorregavam como lágrimas musgo abaixo, ovelhas, pastores, patos e pontes, sem nunca esquecer a farinha para as estradas sem cantoneiros e a prata dos chocolates ou dos Definitivos, Porto, Sintras e ventis para as fontes, lagos e rios.

Apenas houve um pormenor, em que, caso Sua Santidade não se importe, me permito discordar, por acreditar que devemos sempre colorear um pouco a imaginação quando a pretendemos transmitir aos outros, e se possível por forma a que as melhores tintas sejam para as melhores personagens. Não me parece bem que o Menino, no livro sobre a sua infância já nas livrarias, apareça sem fraldas e com algo semelhante a uma mortalha. Se fosse eu a ter escrito sobre a infância de Jesus, mesmo que os meus estudos de teologia me dissessem o contrário, enfiaria aí uma mentirinha, que desde que piedosa nunca fez mal a ninguém. Se até já tivemos quem mudasse o nome de Poço para Fonte, lá para Boliqueime, essa terra de outros mouros, por uma questão de dignidade no nascimento, mal não vinha ao mundo que o nosso querido menino tivesse umas fraldinhas.

Penso que Sua Santidade, já que estudou, pensou, imaginou e mudou tanta coisita, poderia ter dito a todos que O Menino Jesus, tinha fraldas sim, em vez dessa espécie de mortalha.
Tinha umas dodotes, azuis e descartáveis, das boas.
Um bom Natal.



                                                                      Aragonez Marques

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